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 O viúvo

 

“Ajuda-me!” – Diz ele estendendo os braços sobre si mesmo. Os seus pés pesam em cada passo que arrasta o seu corpo pelo riscado chão de soalho. Os candeeiros estão cobertos com lenços encarnados que ela um dia colocou para enegrecer a luz que os candeeiros emitiam. Dizia que a luz lhe magoava os olhos. Ainda se lembra de como ela franzia o sobrolho quando entrava num espaço demasiado luminoso. Lembra-se de ver refletido no seu rosto a expressão de desagrado ao entrar numa loja com um ambiente de luz excessivo que, aparentemente, convidava as pessoas a entrar, mas que só a afastava. O que mais gostava nela é que também não gostava do escuro. Como tinha medo da escuridão cerrada, de ficar presa num espaço negro onde não existisse nada que pudesse aparentemente tocar. À noite, quando ele apagava a luz, sempre sentia o seu corpo rolar até à ponta da cama que era acariciada com a luz verde dos números do seu despertador. E aí permanecia durante alguns segundos até reencontrar a fraca luz que, aos poucos, ia aclarando o quarto através das persianas. Só depois rolava sobre si, encontrando-o no afago de um abraço.

“Ajuda-me…” – Diz ao olhar para o espelho. O reflexo não é o dele, mas o dela. O que lhe é devolvido não é o eco de si mesmo mas a imagem dela: dos seus longos cabelos negros enrolados com um elástico, dos seus lábios encarnados, cheios de uma vida que tantas precisam de encontrar em batons, dos seus grandes olhos escuros que lhe enchiam o peito.

Quando a vira pela última vez, a cor dos seus lábios fora sugada e a pálida pele parecia cobrir-se a si mesma, como se fosse um lençol perfeitamente alinhado. Desde esse momento, que nunca mais conseguira sair daquele apartamento onde, um dia, encontrara o amor e de onde não consegue sair. Todos os recantos lhe lembravam momentos que tivera como garantidos e que imortalizaram o seu sentir. Todos os objetos espelhavam gargalhadas, lágrimas e toques que foram deixados em si como tatuagens. Como temia esquecer-se de tudo isto! Como temia deixar de conseguir sentir o toque dos seus dedos nos dele. Como temia deixar de recordar o contorno da sua imagem. Se saísse do apartamento, tudo poderia desvanecer-se. Mas ele sabe que, ao ficar, está a destruir-se, aos poucos, e que as memórias que tanto ama poderão transformar-se num pesadelo que não foi vivido.

“Ajuda-me…” – diz ele ao abrir a porta e ao fitar as escadas que dão para o exterior.

 

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